A LENDA DO CARRO DE ANA JANSEN

 

por EUGES LIMA

Historiador e Presidente do IHGM

 

Ana Joaquina Jansen Pereira, mais conhecida como Ana Jansen ou ainda Donana Jansen é uma figura icônica da história do Maranhão, personagem histórico e ao mesmo tempo lendário que viveu durante o século XIX em São Luís do Maranhão. Nasceu no ano de 1798 e faleceu em 11 de abril de 1869 em sua suntuosa residência na Rua dos Remédios (Rua Rio Branco), esquina com a Tapada.

Tinha ancestralidade alemã, holandesa, inglesa e portuguesa, porém, quando nasceu, os Jansen já se encontravam pobres no Maranhão, portanto, veio de origem humilde, mas recusou-se a aceitar sua condição social e lutou muito com todas as suas fibras para se tornar a mulher mais rica e poderosa não só do Maranhão, mas de todo o Brasil Imperial.

Por conta desse empoderamento feminino em pleno século XIX, incomum para o seu tempo, em meio a uma sociedade maranhense patriarcal, Ana Jansen, enfrentou muita oposição e teve muitos adversários poderosos – comendador Meireles, Cândido Mendes, entre outros – que trataram possivelmente de criarem uma imagem negativa a seu respeito. Não que Donana fosse santa, mas também não deveria ser um demônio.

A partir dessas imagens criadas e certamente exageradas de uma sádica senhora de escravos, ainda contemporâneo a sua existência, anos depois de sua morte, isso foi material fértil para o surgimento de lendas e crendices populares que ultrapassaram séculos e que povoam o imaginário coletivo dos ludovicenses; a exemplo da famosa lenda do “Carro (carruagem) de Ana Jansen” que reinventada com muitas variações, chegou com força até o século vinte um.

Pois bem, fiz esse preâmbulo, para compartilhar com vocês, uma versão que acredito ser provavelmente a primeira ou uma das primeiras, registrada em livro sobre essa lenda, portanto, ainda com seus elementos originais, colhidos da tradição oral e publicada pelo escritor Astolfo Serra em 1941 no livro “Terra Enfeitada e Rica”, edição Imparcial, conforme sua versão:

“[...] Por tudo isso Ana Jansen anda a cumprir rude penitência fora de horas pelas ruas da cidade histórica. Todas às sextas-feiras, do antigo cemitério dos Passos, quando a cidade mergulha no sono, o seu carro dispara pelas ruas sombrias. As rodas desse veículo rangem, quase gemendo nos mancais. O tropel da parelha sacode o calçamento e o rumor do carro desperta a canzoada, que o persegue aos gritos e uivos sinistros do pavor. O carro faz sua ronda puxado por duas mulas sem cabeça que saltam pelos cascos faiscações esverdeadas. Há de quando em quando, um longo gemido, dolorido, profundo, arrepilante. No céu as estrelas se ocultam. No espaço os rasga-mortalhas riscam o silêncio. Na cidade todos se recolhem com medo e o carro dispara até o galo cantar pela primeira vez.”

Astolfo Serra em seu texto reforça essa imagem de uma Ana Jansen má, cruel, que maltratava seus escravizados. A lenda da Carruagem simboliza uma punição, uma maldição à alma da poderosa matrona ludovicense, infligida pelo imaginário coletivo popular; condenada a vagar pela eternidade pelas ruas do Centro de São Luís – aterrorizando os notívagos incautos – “pela violência com que mandava castigar aos seus escravos por qualquer falta’’.

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