195 ANOS DE CÉSAR MARQUES
por
EUGES LIMA (historiador)
“Apaixonado em
extremo pelo estudo da nossa História, passou César Marques grande parte da sua
vida, [...] investigando os arquivos, levantando dados e reconstituindo fatos,
e, desta maneira, adquiriu tal soma de conhecimentos, que se tornou,
inquestionavelmente, depois de João Francisco Lisboa, o maior historiador do
Maranhão.”
Jerônimo de Viveiros (1954)
Em 2011, quando recebi o honroso convite para ocupar uma cadeira no Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM), me foi à época, colocada algumas opções de patronos de cadeiras que estavam vagas e entre essas, estava a de N.º 22, patroneada por César Marques, não pensei duas vezes e escolhi logo esta. Para mim, era, e ainda é, uma honra muito grande ocupar uma cadeira que tinha como patrono esse ícone da nossa historiografia. Mas os meus antecessores na cadeira também eram motivos de orgulho. A cadeira de N.º 22 no IHGM foi fundada em 1925 por Domingos Perdigão, sucedido pelo seu filho, Fernando Perdigão, que teve como sucessor, Travassos Furtado que por sua vez, foi sucedido pelo historiador Carlos de Lima até o seu falecimento em 2011, meu antecessor na Cadeira.
A partir de então, passei a ficar atento a tudo que
dizia respeito ao meu patrono, primeiro para obter subsídios para escrever o
nosso discurso de posse que foi proferido em 25 de maio de 2012, mas depois,
para me aprofundar na biografia e na obra de César Marques. Pesquisando o
acervo do IHGB no Rio de Janeiro, tive acesso a pasta que pertenceu a César
Marques como membro titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Ele
foi um sócio ativo e assíduo dessa Instituição, sempre contribuindo com artigos
na Revista do Instituto e participando das sessões com a presença de D. Pedro
II. Nessas pesquisas, descobri que César Marques chegou a ser terceiro
Vice-presidente do IHGB.
César Augusto Marques nasceu na cidade de Caxias,
Maranhão, no Largo do Poço, em 12 de dezembro de 1826, filho de Augusto José
Marques e da caxiense Maria Feliciana Marques. O pai era boticário, oriundo de
Caldas da Rainha, Portugal, que se estabeleceu em Caxias, em 1814. César
Marques teve três irmãos, o Comendador Augusto César Marques, Adelaide Maria
Marques e Guilhermina Maria Marques. Tinha ancestralidade na nobreza
portuguesa, descendia dos Berredos de Lacerda e do famoso cronista colonial do
Maranhão, Bernardo Pereira de Berredo e Castro, autor dos Anais Históricos do
Estado do Maranhão.
Em 1844, com dezoito anos, César Marques foi para
Portugal, estudar Medicina em Coimbra, mas após dois anos, foi obrigado a
interromper os estudos e retornar ao Maranhão, pois a Universidade foi fechada
em virtude da revolução “Maria da Fonte”.
Depois de um período de três anos que estava de
volta ao Maranhão, resolveu retomar seus estudos, mas com a demora das
convulsões politicas em Portugal, dessa vez, seguiu para Bahia em 1849 para
cursar medicina na Faculdade de Salvador. Conclui o curso em 1854, obtendo o
grau de doutor em medicina com a tese “Breve memória sobre clima e moléstias
mais frequentes da província do Maranhão”.
Na Bahia, casa-se com Maria Joaquina Régis, dessa
união nasceu uma filha, Eugênia Laura Evangelina Marques. Nessa província deu
início a sua carreira profissional entrando para o corpo médico do Exército
Imperial, assumindo a patente de alferes, em seguida veio servir no Maranhão,
sendo transferido em 1856 para Manaus, onde lecionou matemática no Liceu
amazonense. No ano seguinte, retorna novamente ao Maranhão, assumindo vários
cargos ligados à saúde pública, como Provedor da Saúde do Porto e Secretário da
Comissão de Higiene Pública. Com a segunda esposa, Rita de Cássia Marques, teve
mais dois filhos, Augusto José Marques e João Batista Augusto Marques.
Em 1858, o Dr. César Marques é transferido
novamente, dessa vez para a província do Piauí, a partir daí o vai e vem das
transferências e o pouco tempo de permanência pelas várias províncias do norte,
por força de sua condição de militar, acaba cansando-o, e ele então pede baixa
da corporação militar.
É nesse momento, quando de sua saída do Exército
Imperial, fixando residência em São Luís, com mais tranquilidade, que começa a
dedicar-se com mais afinco à pesquisa da história do Maranhão, sempre
conciliando as obrigações de médico com o ofício de historiador. Nessa fase,
trabalhou como professor de história do Seminário das Mercês, médico da
Província, médico da Casa dos Educandos Artífices, médico da Companhia de
Aprendizes de Marinheiros, mordomo da Casa dos Expostos e Delegado Literário da
Freguesia de N. S. da Vitória.
Sua produção é vasta, começa quando ainda era
acadêmico de medicina, em Salvador, lá, publicou em 1852, duas traduções do
francês, “Provas da existência do outro mundo, fundadas sobre a natureza,
história, filosofia e religião” e “ Conquistas da Religião Cristã”, de M.V.
Robert.
Em São Luís sua produção historiográfica começa a
tomar corpo a partir de 1861, quando publica o “Almanaque Histórico de
Lembranças Brasileiras”, o primeiro de uma série de três, publicando os outros
nos anos subsequentes, 1862 e 1868. Em 1862, lança “Breve memória sobre a
introdução da vacina no Maranhão”. Dois anos depois, em 1864, já com certa
bagagem em termos de pesquisas históricas sobre o Maranhão, César Marques,
publica os “Apontamentos para o Dicionário Histórico, Geográfico, Topográfico e
Estatístico da Província do Maranhão”, uma espécie de ensaio para sua obra mais
importante, o Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão de 1870.
A ideia de se publicar um dicionário
histórico-geográfico sobre o Maranhão era algo que acompanhava César Marques
desde a época da faculdade de Medicina, em Salvador. Segundo ele, fora sugerido
por dois amigos, o Arcebispo da Bahia, D. Romualdo Antônio de Seixas, Marquês
de Santa Cruz e o Coronel Inácio Acioli de Cerqueira e Silva, que
constantemente insistiam em cobrá-lo tal empreendimento. Sobre isso, diz
Marques: “Dada a palavra, buscamos logo satisfazê-la, e por isso julgamos
prudente estudar, e estudar muito a História Pátria.”
A publicação do Dicionário Histórico-Geográfico da
província do Maranhão, pela Tipografia do Frias, 1870 e mesmo sua primeira
versão, na forma de apontamentos, 1864, representou algo inovador na época,
pela abrangência da obra e totalidade como buscou tratar a história do
Maranhão. Tivera uma recepção elogiosa na imprensa, rendendo a seu autor muito
prestigio como historiador, dentro e fora da província, recebendo importantes
condecorações, a exemplo de Cavaleiro da Real Ordem Militar Portuguesa de Nosso
Senhor Jesus Cristo, concedida pelo Rei de Portugal e a Imperial Ordem da Rosa,
conferida por D. Pedro II.
César Marques publicou ainda, “Aos meus meninos,
contos úteis”, 1872; “Discurso que por ocasião de colocação da pedra
fundamental para a edificação do prédio, onde deve funcionar a escola pública
da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição”, 1873. Traduziu no mesmo ano, 1874,
pela primeira vez para o português, os dois livros dos capuchinhos franceses,
“História da missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão e suas
circunvizinhanças de Claude D`Abbeville,1614 e Viagem ao Norte do Brasil feitas
no ano de 1613 a 1614 de Yves D`Evreux, 1615,
além de inúmeros artigos publicados em jornais e revistas.
Foi
membro de diversas sociedades literárias e científicas regionais, nacionais e
estrangeiras, sócio correspondente de praticamente todos os Institutos Históricos
provinciais de sua época, fundados a partir de 1862 e 1863, como o pernambucano
e o baiano respectivamente. Participou da fundação do primeiro Instituto
Histórico e Geográfico do Maranhão no século XIX, a exemplo do que ocorria nas
demais províncias do país, principalmente as do norte. Nesse sentido, afirma
Nicolau Dino, no seu livro “O Visconde de Vieira da Silva” (1974):
Em 28 de julho de 1864, Luiz Antônio Vieira da Silva era aclamado presidente do Instituto Histórico e Geográfico que se fundava naquele dia, em casa de Augusto Marques e com a colaboração deste, do Tenente Coronel Ferreira, padre Dr. Cunha, João da Mata, Dr. César Marques, Dr. Tolentino Machado, Tenente Coronel João Vito, Dr. Tolentino Rêgo, Pedro Guimarães e Frei Caetano.
Segundo Raimundo Nonato Cardoso, na
apresentação da segunda edição do Dicionário Histórico-Geográfico (1970), César
Marques já se encontrava no Rio de Janeiro em 1875, ocupando o cargo de Reitor
do Internato do imperial Colégio Pedro II, ficando no cargo até 1880, quando
foi sucedido por seu comprovinciano Antônio Henriques Leal. Na capital do
Império, publicou “A província do Maranhão, breve memória”, 1876 e “Dicionário
histórico, geográfico e estatístico da província do Espírito Santo”, 1878,
resultado de uma encomenda feita pelo presidente dessa província.
Tendo livre acesso ao rico acervo do Instituto
Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil, o IHGB, assim como aos demais
arquivos do Império na Corte, tendo consultado talvez os famosos documentos da
Câmara de São Luís do período colonial, levados para Corte por Gonçalves Dias
em 1851, em missão do governo imperial, César Marques continuo no Rio de
Janeiro suas pesquisas sobre o Maranhão e trabalhava numa segunda edição
revista e ampliada do seu Dicionário Histórico-Geográfico da Província do
Maranhão, cuja publicação estava prevista para 1882 e que acabou não ocorrendo.
O Dicionário Histórico-Geográfico só foi ter sua
segunda edição, em 1970, patrocinada pela então SUDEMA (Superintendência do
Estado do Maranhão). Em 2009, ganhou uma terceira edição, revista e ampliada
pelo escritor Jomar Moraes, ex-presidente da Academia Maranhense de Letras.
Continua a ser ainda hoje, obra valiosa, fundamental e de referência para todos
aqueles que estudam e pesquisam qualquer assunto sobre a história do Maranhão.
César Marques morreu aos 73 anos, em 5 de outubro de 1900, na casa do filho
João Batista, no Rio de Janeiro.
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